O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, afirmou nesta terça-feira que os EUA têm culpa pela morte do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, morto no domingo em um acidente de helicóptero. O chefe da diplomacia russa afirmou que as sanções americanas contra a nação persa são diretamente responsáveis pela situação da segurança da aviação no país — a aeronave que transportava Raisi não tinha peças de reposição há quase 40 anos.
— Ao implementar sanções que incluem a proibição do fornecimento de peças de serviço para produtos de aviação fabricados nos EUA, colocamos a vida das pessoas em risco — disse Lavrov, durante uma visita ao Cazaquistão. — Os americanos negam isto, mas a verdade é que outros países contra os quais os EUA anunciaram sanções não recebem peças sobressalentes para equipamentos fabricados lá, incluindo de aviação.
A queda do helicóptero que transportava Raisi, no domingo, levantou suspeitas sobre a idade do Bell 212 e as condições de manutenção da aeronave, que, segundo o governo iraniano, caiu por falhas técnicas em meio a péssimas condições metereológicas. O Modelo de asas rotativas foi fabricado pela empresa Bell, dos Estados Unidos, e a imprensa local especula que a aeronave não recebia peças sobressalentes para manutenção desde 1986.
Segundo um piloto de helicóptero da Força Aérea Brasileira ouvido pelo GLOBO, o país enfrentava condições precárias para manter as aeronaves com origem nos EUA e precisava usar engenharia reversa e peças chinesas para manter os helicópteros voando.
— O Irã pode ter adquirido peças originais no mercado paralelo, mas é muito mais provável que tenha comprado peças similares de mercados aliados como o chinês ou fabricado no próprio país, sem o controle de qualidade devido — afirmou a fonte.
O Bell 212 entrou em serviço em 1968, e na década seguinte o Irã comprou diversas unidades do equipamento, quando Xá Mohammad Reza Pahlavi comandava o país e ainda tinha relações próximas com os Estados Unidos. Mas, desde a Revolução Islâmica de 1979 — que derrubou a monarquia — e as sanções impostas pelos Estados Unidos contra o programa nuclear iraniano, o país passou a enfrentar dificuldades para encontrar peças para helicópteros, caças e outros jatos com tecnologia dos EUA ainda em uso no país.
Algumas das aeronaves adquiridas no início da década de 1970, como os caças F-4 Phantom e F-14, são outros exemplos de modelos norte-americanos que ainda estão em serviço no Irã. Ao longo dos anos, a frota de máquinas fabricadas nos EUA foi diminuindo, enquanto o país criava estratégias para manter parte dos equipamentos.
Em 1986, teria ocorrido a última negociação secreta entre o Irã e os EUA, quando os países teriam trocado peças sobressalentes por reféns detidos por grupos apoiados pelo Irã no Líbano. Apesar disso, o país persa passou a contar com uma rede de contrabandistas, especialistas para fazer engenharia reversa nas máquinas e cópias feitas por indústrias chinesas.
Em 2011, a Polícia da Espanha impediu a importação e confiscou nove helicópteros de transporte Bell e peças sobressalentes, e prendeu cinco empresários espanhóis suspeitos de tentar exportar ilegalmente os materiais apreendidos para o Irã.
Na época, o então ministro do Interior espanhol, Alfredo Perez Rubalcaba, disse que os helicópteros, cujos primeiros donos haviam sido Israel, eram destinados ao Irã e que estavam armazenados em galpões industriais em Barcelona e Madrid. A exportação dos helicópteros e peças sobressalentes, avaliados em US$ 140 milhões há 13 anos, era proibida pelas União Europeia após as sanções estabelecidas pelos EUA.
O Bell 212 é a versão civil do helicóptero militar “UH-1N”, segundo a Força Aérea americana, conhecido como “Twin Huey” e fabricado entre 1968 e 1978. Os UH-1N, bimotores, atuaram na Guerra do Vietnã, assim como o seu antecessor UH-1 Huey, monomotor —e que aparece em filmes como “Apocalypse Now” (1979) e “Rambo 2” (1985).
A Bell Helicopter anuncia a versão mais recente, o Subaru Bell 412, para uso policial, transporte médico, transporte de tropas, indústria de energia e combate a incêndios. De acordo com os documentos de certificação de tipo da Agência de Segurança da Aviação da União Europeia, pode transportar 15 pessoas, incluindo a tripulação.
As organizações não militares que pilotam o Bell 212 incluem a Guarda Costeira do Japão; agências de segurança e bombeiros nos Estados Unidos; a polícia nacional da Tailândia; e muitos outros. Não está claro quantos o governo do Irã opera, mas sua Força Aérea e Marinha têm um total de 10, de acordo com o diretório 2024 das Forças Aéreas Mundiais da FlightGlobal.
O helicóptero que transportava o presidente caiu em uma parte remota do país, e foi necessária uma grande operação de busca e resgate de 13 a 15 horas para finalizar o resgate, já que condições climáticas desfavoráveis, incluindo neblina espessa, frio severo e chuva dificultaram os trabalhos.
Acusado por muitos iranianos e ativistas de direitos humanos de ter um papel em execuções em massa de prisioneiros políticos nos anos de 1980, Raisi nasceu em 1960 em Mashad — segunda maior cidade do Irã, na região nordeste, e lar do santuário xiita mais sagrado do país — e perdeu o pai, que era clérigo, quando tinha apenas cinco anos.
Aos 15, Raisi, seguiu os passos do genitor e entrou em um seminário na cidade sagrada de Qom. Enquanto era estudante, participou de protestos contra o Xá apoiado pelo Ocidente, que acabou por ser deposto em 1979 na Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, depois da qual ingressou no Judiciário e ascendeu cedo a cargos importantes enquanto era treinado pelo aiatolá Ali Khamenei, que se tornou presidente do Irã em 1981.
Fonte: O Globo