Caso de racismo em pedido de pastelaria no RS foi forjado por suposta vítima, diz polícia

Loja denuncia racismo em pedido por aplicativo
Loja denuncia racismo em pedido por aplicativo — Foto: Arquivo pessoal

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul indiciou, nesta sexta-feira, o dono de uma pastelaria na cidade de Campo Bom, por forjar uma situação de racismo contra si próprio, no dia 14 de novembro. Gabriel Fernandes da Cunha criou uma conta fake e fez um pedido na própria loja. No campo de observações, pediu “por gentileza” que fosse enviado um “motoboy branco”. O homem chegou a registrar ocorrência, divulgou prints do caso e, por fim, confessou, em novo depoimento, que foi ele mesmo o autor do pedido.

AO GLOBO, a mulher do autor do pedido e suposta vítima, Daniela Rodrigues, se apresentou como proprietária do estabelecimento — uma franquia do restaurante Hora do Pastel —, e disse que a notificação chegou pelo aplicativo iFood, às 20h.

A observação da suposta, identificada como Andressa Oliveira, foi feita no pedido, e, em seguida, no chat: “Última vez veio um motoboy negro. Peço a gentileza que mande um branco. Não gosto de pessoas assim encostando na minha comida. Obrigada!”, escreveu a cliente.

também é proprietário da loja e, segundo a mulher, faz entregas em dias de maior movimento.

— Ela cita meu esposo, que é proprietário junto comigo. Foi bem dessa forma que aconteceu. Ela fez o pedido, colocou as observações e depois mandou mensagem com a mesma observação pelo chat — diz Daniela.

Após receber a mensagem da cliente, Daniela a repreende, pede que ela não compre mais na loja e diz que o motoboy ao qual a pessoa se refere é o dono da empresa. Ela também avisa que pretende denunciá-la. Após o recebimento da mensagem, o casal decidiu registrar ocorrência na 3ª Delegacia de Polícia Regional. O caso foi documentado como injúria racial consumada.

Com a repercussão do caso na região de Campo Bom, um novo personagem surge na história: o síndico do prédio cadastrado como endereço da cliente que fez a exigência racista também registrou ocorrência. Ele alega que o número de apartamento informado pela autora do crime no aplicativo não corresponde a nenhum dos números existentes no condomínio. Além disso, segundo o síndico, não há nenhuma “Andressa” no local.

— O síndico do prédio já fez boletim de ocorrência, porque a suposta cliente informou que era num condomínio, mas o número de apartamento que ela informou não existe e muito provavelmente esse nome não existe, porque não tem morador com esse nome — explica Daniela.

O casal já conseguiu apoio jurídico, e aguarda, agora, o andamento das investigações para que pessoa por trás do pedido seja identificada.

— Temos uma junta de advogados nos apoiando, e vamos descobrir quem é. Porque tem que ter alguém por trás, principalmente quando se trata de uma conta no aplicativo — diz.

Delegado responsável pelo caso, Rodrigo Câmara, afirmou que o autor do crime será indiciado e preso assim que identificado e comprovada sua atuação no caso. Segundo ele, o síndico do prédio informou à Polícia que há divergência de informações no pedido, já que não há moradora com aquele nome no prédio.

— De qualquer forma racismo ou injúria racial são crimes gravíssimos e serão investigados pela Delegacia de Campo Bom com prioridade. Apenas para esclarecer e evitar que alguém realize algum tipo de atentado ou vandalismo ao condomínio, o síndico já nos informou que o número do apartamento citado não existe, tampouco há no prédio uma moradora com aquele nome — explica Câmara.

Tanto o crime de injúria racial quanto a maioria dos crimes de racismo previstos na lei, especial quando realizados por meio de redes sociais e no âmbito digital em geral, admitem a decretação de prisão preventiva, por ordem judicial, quando não for o caso de flagrante.

Em nota publicada nas redes sociais, a empresa franqueadora prestou solidariedade aos proprietários da franquia, e repudiou o comentário da cliente. “Não passará impune”, diz a nota.

O caso também foi repercutido pela deputada estadual gaúcha Laura Sito, em publicações nas redes sociais. “É revoltante o que aconteceu em Campo Bom, no Rio Grande do Sul (…) Parabéns pela reação. É assim que racista tem que ser tratado!”, escreveu.

Em nota, o iFood explicou que a conta de onde veio a mensagem racista foi criada no dia do pedido, e não havia realizado outros até aquele momento. A empresa diz que já está “tomando providências” para bloquear o cliente, e se colocou à disposição das autoridades. Leia a nota na íntegra:

“O iFood repudia veementemente qualquer atitude racista, seja ela física ou verbal. Assim que tomamos conhecimento do caso ocorrido na cidade Campo Bom, identificamos que o cliente em questão criou uma conta no nosso app na data de 14/11/2023, realizando esse único pedido. Além disso, buscamos contato com os donos do restaurante para prestar o apoio necessário. Já estamos tomando as providências para o bloqueio do cliente e seguimos à disposição das autoridades para quaisquer informações necessárias. É importante ressaltar que esse tipo de comportamento fere totalmente os termos de uso da plataforma e que não toleramos nenhum tipo de descriminação.

Toda vez que um entregador ou restaurante parceiro identifica um pedido com dados errados ou comportamentos discriminatórios, a orientação é informar diretamente a plataforma sobre o ocorrido, para que possamos tomar as providências imediatamente.

Nesses casos, de violências física e verbais, os entregadores parceiros do iFood contam com o suporte da Central de Apoio Jurídico e Psicológico, serviço em parceria com a organização global de advogadas negras, Black Sisters In Law, que disponibiliza uma advogada para acompanhar o caso de maneira personalizada e humanizada. Para ter acesso, os profissionais precisam acessar a área de Alerta de Casos Graves, dentro do app iFood para Entregadores, e realizar a denúncia com todas as informações do caso”.

Procurada pelo GLOBO, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul ainda não deu informações sobre o caso.

Fonte: O Globo

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