“Aqui, não temos tempo para ficar doente. A gente vive ou morre todo dia”, diz pescador potiguar

Pescadores da comunidade Canto do Mangue, na região ribeirinha do Rio Potengi - Alex Régis/Folhapress

“Aqui, não temos tempo para ficar doente. A gente vive ou morre todo dia”, diz o José Celestino Pereira a Folha de S. Paulo. O pescador diz que ninguém da sua família foi infectado pelo novo vírus, mas todos já sofrem as consequências da pandemia. O filho Marcílio Pereira, 27, único com carteira assinada na família, foi demitido da função de auxiliar de cozinha de um restaurante que funcionava no maior shopping da cidade. A caçula, Alice, 12, está sem aulas e tenta concluir as poucas atividades enviadas pelas professoras da escola pública que não tem estrutura de ensino à distância. José não parou de tentar a sorte na pesca, mas viu o preço do pescado despencar por falta de comprador. “Mas eu não desisto. O que eu conseguir pescar, se ninguém comprar, vira almoço”, diz.

O pescador conta que vendeu um peixe de 3 kg por R$ 30. Antes da pandemia, o valor era 50% maior. Seu irmão, Canindé Pereira, também vive da pesca.”Meus compradores certos suspenderam as encomendas. Peixe até tem, mas não tem quem compre”, conta. Os pescadores tentaram obter o auxílio do governo federal, de R$ 600, mas até junho não tinham obtido resposta. Pelas becos da comunidade, encontrar alguém usando máscara é uma raridade. “Vocês pegaram a gente desprevenido”, disse rindo Valdenildo Oliveira, 35, que jogava baralho com outros quatro vizinhos, enquanto as crianças corriam solta na beira da rio —todos sem proteção. O grupo disse que nenhum serviço social ou de saúde circulou com a comunidade para alertar sobre o perigo da doença.

“O que a gente sabe é pela televisão e pelo Whatsapp”, diz o morador, que está desempregado. Com a pandemia, a circulação de pessoas nas comunidades ribeirinhas de Natal cresceu nos últimos meses porque os pescadores não estão mais indo para o mar com tanta frequência. “Nossa atividade está sofrendo muito nos últimos meses. Depois do óleo nas praias, agora esse vírus. Não tem quem compre o pescado”, afirma o pescador João Maria. Ele tem um barco a motor, que tem autonomia para ficar até 15 dias no mar. Antes da pandemia, trabalhava com outros três pescadores com rotina de 10 dias no mar e quatro dias em terra. Desde o dia 16 de maio, não desatraca o barco que disputa espaço com mais de 30 pequenas embarcações no Canto do Mangue, principal área de compra e venda de peixe de Natal. A mercadoria era repassada para hotéis e restaurante —todos fechados desde março por causa do isolamento social.

Pescadores da comunidade Canto do Mangue, na região ribeirinha do Rio Potengi – Alex Régis/Folhapress

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