A declaração do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), de que o volume de doações feitas pelos brasileiros poderia dificultar o “reerguimento do comércio” no estado — o que o levou a pedir desculpas ontem — despertou uma onda de críticas nas redes sociais e abriu um debate sobre a forma mais eficiente de se fazer doações, sobretudo em casos de tragédias como a vivida pelos gaúchos. Para analistas e voluntários ouvidos pelo GLOBO, doações em dinheiro favorecem a logística e o melhor emprego em itens de necessidade nos momentos de crise.
Na terça-feira, em entrevista à Rádio Band News FM, Leite se mostrou preocupado com os comerciantes locais “na medida em que você tem uma série de itens que estão vindo de outros lugares do país”.
— Quando você tem um volume tão grande de doações físicas chegando ao estado, há um receio sobre o impacto que isso terá no comércio local — avaliou o governador, reforçando que não estava “desprezando” as doações.
Nesta quarta-feira, quando Leite já havia sido citado em mais de 60 mil posts no X, antigo Twitter, e se tornado um dos assuntos mais comentados em Política, o tucano foi às redes se desculpar.
— Antes de mais nada, meu agradecimento a todos pela gigantesca mobilização e solidariedade a favor do povo gaúcho. Em nenhum momento eu tive a menor intenção de inibir ou desprezar as inúmeras doações que o Brasil e o mundo estão fazendo para ajudar nosso Rio Grande do Sul numa grande reconstrução. Entre tantas preocupações que a tragédia nos traz, traz também a situação dos nossos pequenos comerciantes — disse o governador. — As últimas semanas têm sido brutais para todos nós, e ninguém está livre de errar. Portanto, meu mais sincero pedido de desculpas pela confusão que possa ter causado no entendimento de algumas pessoas.
Analistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que doações são sempre bem-vindas e devem continuar sendo incentivadas. Eles ponderam, contudo, que nem sempre a logística e a infraestrutura em locais afetados por catástrofes permitem que os donativos cheguem a quem precisa no momento adequado.
Especialista em gestão de desastres e voluntário na cidade de Cruzeiro do Sul, no interior gaúcho, Leo Farah afirma que a melhor forma de doar é com o envio de dinheiro para contas confiáveis. Assim, quem está na linha de frente saberá direcioná-lo melhor, inclusive comprando de comerciantes locais.
— Na internet, a população pede por meio de um vídeo, então tem gente de todas as regiões enviando coisas. Mas, com as estradas bloqueadas, sem plano de voo e mar revolto, tudo fica travado e não é entregue na hora da urgência. Só chegava o que estava próximo. E as pessoas continuam divulgando vídeos antigos, dos mesmos pedidos de ajuda do começo. Então estão chegando coisas de que não precisamos — diz Farah.
O especialista também destaca a importância de gerir bem os recursos:
— Com o dinheiro que chega, atendemos as prioridades. Precisávamos de rodo e material de limpeza que ninguém doou, e esses itens estavam extremamente caros por aqui porque estava escasso. Coube a nós não comprarmos tudo em um só local, porque se fizéssemos isso dificultaríamos para pessoas da região comprarem.
Mestre em finanças pela Universidade Sorbonne, na França, Hulisses Dias também acredita que o dinheiro, por causa da praticidade, é a melhor opção, mas pondera que, com 80% da atividade econômica do estado afetada, é difícil escolher como ajudar.
— A gente tem a cultura de achar que todo mundo precisa de roupa e comida em tragédia, mas a vida é mais que isso. Do ponto de vista prático, é melhor o dinheiro — afirma Dias, reconhecendo que é difícil incentivar a prática devido aos golpes. — Muitos desconfiam de como se investem os recursos.
A Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), em parceria com a Associação Gaúcha de Atacadistas Distribuidores, criou um aplicativo para mapear os supermercados atingidos. Até aqui, são 120. Lives estão sendo realizadas para apoiar os afetados e dar dicas de recuperação de equipamentos. As entidades também pedem a bancos e fornecedores para postergarem boletos e buscam alternativas para as empresas se recuperarem.
*Estagiário, sob supervisão de Caio Sartori
Fonte: O Globo