Pelo menos 200 soldados estão retidos por apoiadores do ex-presidente boliviano Evo Morales, após o ataque a três quartéis na região de Chapare, no departamento de Cochabamba, na Bolívia. O governo boliviano informou, neste sábado, que o ato é parte dos protestos que começaram há 20 dias, promovidos por simpatizantes do antigo governante.
Na sexta-feira, “três unidades militares foram atacadas por grupos irregulares na região, tomando como reféns mais de duzentos militares”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado dirigido à comunidade internacional. Inicialmente, as autoridades bolivianas haviam informado que cerca e 20 militares estariam detidos.
Em um vídeo divulgado pela imprensa boliviana, 16 soldados são vistos cercados por camponeses que empunham paus com pontas afiadas. Ainda de acordo com o governo, os manifestantes “se apropriaram de armamento de guerra e munições”.
“Lembramos que qualquer pessoa que pegue em armas contra a pátria é considerada traição e levante armado contra a segurança e a soberania do Estado”, afirma o comunicado emitido pelo Alto Comando, destacando que o pessoal mantido como refém “são filhos do povo cumprindo seu dever sagrado com a pátria”.
Horas antes, vídeos que circularam na imprensa local e nas redes sociais mostraram cerca de 2 mil manifestantes invadindo o quartel militar do Regimento “Cacique Juan Maraza”, perto de Tipnis, como são conhecidos os territórios indígenas do Chapare, no departamento de Cochabamba, onde Evo Morales tem sua maior base política.
— O Regimento Cacique Maraza foi tomado pelas centrais de Tipnis. Eles [apoiadores de Evo] cortaram nossa água, nossa eletricidade e nos tomaram como reféns — disse à AFP um militar, sob condição de anonimato.
A ação acontece em meio à instabilidade política no país, que há 19 dias vê uma onda de protestos maciços e bloqueio de estradas em resposta à suposta “perseguição judicial” contra Evo, que foi de aliado a inimigo do presidente Luis Arce no ano passado. O ex-presidente é investigado pelo suposto abuso de uma menor de idade durante seu mandato (2006-2019), acusação que ele nega.
As Forças Armadas foram enviadas à região para apoiar a polícia no desbloqueio das estradas interditadas pelos partidários de Morales.
Embora os protestos tenham começado em defesa de Evo, agora os manifestantes também estão exigindo a renúncia do presidente Luis Arce, que não encontrou uma saída para a crise econômica decorrente da falta de dólares, restringindo as importações de combustível vendido pela Bolívia. Na quarta-feira, Arce exigiu “o levantamento de todos os pontos de bloqueio”, ameaçando exercer “seus poderes constitucionais” para expulsar o grupo.
Nesta sexta-feira, Evo Morales disse que iniciará uma greve de fome para pressionar o governo por um diálogo, com o objetivo de discutir questões econômicas, referente à escassez de moeda estrangeiras, e políticas, para negociar a libertação de manifestantes presos nos últimos dias.
— Para priorizar o diálogo, vou iniciar uma greve de fome até que o governo instale (…) mesas de diálogo — afirmou o ex-presidente em declarações à imprensa. — E para que o diálogo seja viável, responsável e tenha resultados, peço a participação de organismos internacionais de países amigos.
Arce foi ministro da Economia durante o governo de Evo e seu indicado para a presidência na primeira eleição após o golpe de Estado de 2019, em que o ex-presidente foi pressionado pelas Forças Armadas a renunciar e a senadora Jeanine Áñez ascendeu ao poder. A aliança entre os dois seguiu por um tempo, mas as ambições de Evo de disputar a próxima eleição presidencial, em 2025, levaram a um racha no Movimento ao Socialismo (Mas), que culminou na expulsão de Arce da sigla.
O tensionamento ganhou novos contornos depois que o Ministério Público pediu a prisão de Evo Morales no âmbito de uma investigação sobre o suposto abuso de uma menor de idade em 2015, quando era presidente. O ex-presidente classificou a acusação como “mais uma mentira” orquestrada pelo governo de Arce para tirá-lo da disputa presidencial, já que o caso foi encerrado em 2020.
No domingo, Evo divulgou um vídeo nas redes sociais relatando ter sido alvo de um ataque a tiros durante uma tentativa de prisão. Nas imagens, Morales aparece ao lado do motorista e, pelo telefone, declara: “Estão atirando em nós, estão nos detendo; rapidamente, mobilizem-se”. O vídeo mostra marcas de tiros no veículo e o motorista ferido, com sangue na cabeça e no peito. Segundo a Rádio Kawsachun Coca, 14 tiros foram disparados. Após o incidente, o ex-mandatário, líder dos cocaleiros, exigiu a demissão dos ministros de Governo e de Defesa e relatou o episódio à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O governo da Bolívia reagiu acusando Evo de armar um “teatro” com o seu suposto atentado, afirmando que os tiros disparados contra o seu carro foram feitos após ele tentar furar um posto de controle da polícia.
Fonte: O Globo