Anticoncepcional masculino inova com aplicação simples

Um anticoncepcional masculino tem se destacado na comunidade científica por apresentar uma alternativa a outros métodos contraceptivos. Em 1979, o professor Sujoy Guha desenvolveu o Risug (Reversible Inhibition of Sperm Under Guidance), sigla em inglês para Inibição Reversível de Esperma sob Orientação. Nos últimos 43 anos, o procedimento passou por testes clínicos bem-sucedidos, até atingir a fase-III, na qual sua eficácia está sendo estudada em milhares de pessoas.

A expectativa é que o medicamento esteja disponível nas farmácias em 2023. O professor Luis Carlos de Souza Ferreira, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e coordenador-executivo da Plataforma Científica Pasteur USP, resume pontos-chave do Risug: “É um polímero, anidrido maleico de estireno, que aparentemente obstrui a passagem dos espermatozoides”, explica.

Para afetar a fertilidade, o tratamento incide sobre os vasos deferentes, dupla de canais que transportam os espermatozoides para os testículos, onde eles se juntam aos líquidos que formam o sêmen. O polímero é dissolvido em um composto dimetilsulfóxido (DMSO) e inibe os espermatozoides com diferentes mecanismos. “Um parece que é obstrução mesmo física dos vasos, o outro é porque ele gera a alteração psicoquímica ali do ambiente”, elabora Ferreira. Segundo ele, além do pH – escala de acidez de uma solução aquosa – também há uma variação oxidativa dos vasos.

O método é aplicado com uma seringa e o professor afirma que, apesar de injetável, o Risug não é uma vacina: “Tem aquela seringa, que parece até uma vacina, mas é um polímero que você inocula nos vasos deferentes da pessoa. Não tem nada a ver com vacina”. Para se caracterizar como uma vacina, o produto aplicado deveria ter uma reação no sistema imunológico, com o qual o Risug não interfere.

Os estudos observaram a ausência de espermatozoides, conhecida como azoospermia, sobretudo a partir de quatro semanas após a aplicação. “Depois de aplicado, o número de espermatozoides que saem na ejaculação vai diminuindo até ficar praticamente sem. E, com isso, seria uma forma de controlar a fertilidade.”

Em comparação com os principais anticoncepcionais masculinos, o Risug apresenta alta eficácia e é um procedimento reversível. O restabelecimento da fertilidade ocorre em cerca de dois meses: “Então, seria um procedimento simples e essa reversão é muito simples também: injeta com uma seringa uma solução de bicarbonato de sódio e aquilo ali, em poucos dias, a pessoa não coloca esses espermatozoides normalmente”, elucida Ferreira. Em 2018, um teste clínico de fase-III, com 315 pessoas, revelou a eficácia do contraceptivo em 99,02% dos casos, sem quaisquer distúrbios hormonais. Ele ainda comenta: “Parece que agora concluíram a análise e a coisa é promissora. Não viram efeitos colaterais mais graves”.

Diante dos demais anticoncepcionais masculinos, o Risug oferece infertilidade por um longo período, além de um diferencial: não haver manipulação hormonal. A preocupação com o desequilíbrio hormonal masculino é um fator que impede o desenvolvimento de métodos contraceptivos. Mesmo assim, as pílulas femininas, criadas na década de 1960, causam severos impactos hormonais ainda hoje. Na visão do professor, a demora no desenvolvimento sinaliza a preocupação com a segurança e eficácia do tratamento. “Acho que tem a ver com a suspeita de que isso poderia funcionar, de que não teria efeitos colaterais, sejam imediatos ou tardios”, relata o professor. Alterações genéticas nas células dos espermatozoides, alterações de humor e a perda de libido são exemplos de possíveis complicações decorrentes dos métodos testados.

No âmbito social, a escassez de anticoncepcionais masculinos tem impactos no planejamento familiar e na saúde pública. Embora o Risug esteja em fase final de testes, o licenciamento de fabricação foi enviado ao governo indiano. Para Ferreira, a perspectiva de lançamento é positiva para daqui um ano: “É muito comum a gente dizer isso quando se passa nas principais etapas de segurança e efetividade”, diz

Gravidez indesejada acontece em todo o mundo

Relatório realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas, uma agência da ONU, diz que 50% das gravidezes no mundo não são planejadas. Mais de 60% dessas gravidezes acabam em aborto e quase metade deles não são feitos de forma segura. O relatório aborda o assunto como uma crise global de gravidez não intencional. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar, o professor Marco Aurélio Galletta, especialista em Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, analisa os dados elevados de gravidezes não planejadas, em especial no Brasil.

De acordo com o professor: “Até um tempo atrás, nós poderíamos falar da falta de informação. Hoje em dia, com o acesso que se tem, com a internet e com os meios de comunicação, é difícil você falar que tem a questão da falta de conhecimento sobre isso. Acho que a questão que se coloca é a falta de acesso aos sistemas de saúde. Eu acho que onde tem mais escolaridade, uma situação econômica melhor e com melhor acesso aos métodos contraceptivos, você vai ter uma taxa menor de gravidez indesejada.”

Galletta comenta sobre a situação brasileira e a falta de acesso aos métodos de contracepção. “É um desafio o acesso aos métodos contraceptivos, porque estamos falando de acesso ao sistema de saúde e no Brasil é o SUS, que é universal. Caminhamos muito no SUS para ter um acesso universal realmente, essa é uma questão que quem estuda o SUS e quem batalha no sistema de saúde sabe muito bem. Não é fácil você conseguir a abordagem de toda a população, que ela realmente possa ir nos locais e conseguir a orientação necessária. Tem uma série de dificuldades de distância, por exemplo, de horários em que as Unidades Básicas de Saúde funcionam, os métodos disponíveis, então isso certamente é uma coisa que preocupa”, afirma.

O planejamento deveria ser indispensável para qualquer família. Com isso, o diálogo e acompanhamento médico são necessários para uma contracepção ou gravidez saudável. O professor indica: “Os métodos de contracepção deveriam entrar em um esquema de planejamento familiar, em que a mulher pudesse junto com o seu parceiro decidir o intervalo entre as gravidezes. Fala-se muito da contracepção, mas não dessa orientação em relação ao todo”.

Em relação ao alto número de abortos, Galletta entende que “a gravidez indesejada sim, está relacionada com abortamento provocado, de forma clandestina e que tem risco para saúde da mulher. Então, essa notícia é algo importante para nós enquanto sociedade. Se você fala de anticoncepção, você vai estar falando de gravidez indesejada e abortamento e essas coisas são relacionadas”.

Por ser criminalizado, os dados sobre o aborto induzido no Brasil são inconsistentes. O professor destaca a importância do relatório, por abordar o mundo e suas diversas particularidades e discute a questão brasileira: “Eu acho que deveríamos ter uma noção melhor sobre isso no Brasil e as suas dificuldades inerentes. Sabemos do abortamento que entra no hospital, agora o abortamento que acaba sendo de forma clandestina não temos ideia do que seja isso. Alguns pesquisadores imaginam que um terço das gestações acabam indo para o abortamento, juntando abortamento espontâneo e provocado”.

O aborto realizado de forma ilegal é doloroso e com grande riscos. “Quando a mulher provoca um aborto é porque ela está sofrendo muito com isso. Não é uma coisa tranquila. É muito angustiante e difícil e nós não deveríamos julgar. Em termos de saúde pública, precisamos nos preocupar em fornecer o melhor tratamento possível para essas mulheres”, comenta Galletta.

O professor ressalta ainda a importância da conscientização em relação à gravidez e a necessidade de mais atenção às políticas de prevenção: “Teríamos que ter uma conscientização maior com mais divulgação, mais campanhas publicitárias. Estamos muito atrás nessa agenda”, ressalta.

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