Alvo da China não é deter o Irã

Em Gaza, como na Ucrânia, países do Ocidente acreditam que a China poderia fazer mais para impedir a expansão da guerra. Mesmo que estejam certos, nos dois casos há limites na capacidade e no interesse da liderança de Pequim de fazer o que se espera dela. Assim como não deu em nada a campanha para que os chineses pressionassem Moscou a frear a ofensiva na Ucrânia, pouco deve render o apelo para que usem sua influência sobre o Irã.
A guerra em Gaza tornou-se o tema mais urgente do encontro entre os presidentes dos Estados Unidos e da China amanhã, na Califórnia. Será a primeira vez que Joe Biden e Xi Jinping ficam cara a cara desde a cúpula do G20 em Bali, há um ano. O roteiro previa um movimento de distensão nas relações, mas a escalada entre Israel e o Hamas adicionou nova faísca. Biden deve pedir a Xi que contenha o Irã para evitar que o conflito em Gaza transborde para uma guerra regional. Mais uma vez deve ficar sem resposta.
Há motivos para considerar o apelo razoável. O Irã é uma das principais fontes de apoio ao grupo terrorista palestino Hamas, alvo da ofensiva israelense. Embora tenha negado participação nos ataques do 7 de outubro, que deflagraram a guerra, Teerã aplaudiu a ação do Hamas e ameaçou intervir caso a incursão de Israel em Gaza se amplie. Após anos de aquecimento nas relações com Teerã, a China é a potência com maior acesso à elite política iraniana, com a qual compartilha interesses econômicos e afinidades geopolíticas.
Para Teerã, a motivação em se aproximar de Pequim é bastante clara: neste caso economia e política são inseparáveis, disse à coluna William Figueroa, especialista em relações China-Irã da Universidade de Groningen, na Holanda. Isolado diplomaticamente, enfrentando dificuldades econômicas e turbulências domésticas, o governo iraniano precisa de dinheiro, e a China está disposta a comprar seu petróleo sem ligar para as sanções americanas, explica Figueroa.
Já a China tem interesse em manter Teerã como parceiro de olho na importação de petróleo a preços camaradas, no mercado iraniano para seus produtos e na extensão de seu projeto de infraestrutura da Nova Rota da Seda a um país que considera estratégico. É também o alinhamento natural de dois rivais dos Estados Unidos. Não significa, porém, que os chineses têm poder para redirecionar a política externa iraniana, ressalva Figueroa, até porque a relação é de interdependência.
— Em termos de influência, eu diria que os chineses não têm tanta assim. Se estão dispostos a usá-la [na crise de Gaza], isso de jeito nenhum. Não é porque não querem conter uma escalada no conflito, mas eles reconhecem os limites de sua capacidade. Além disso, a China vê o risco de escalada muito mais no lado israelense, por causa do cerco a Gaza. A posição é de neutralidade, com inclinação para os palestinos.
Em atos e palavras, nada indica que a China esteja disposta a conter o Irã ou o “eixo da resistência”, como Teerã chama a aliança de extremistas como o Hamas, o libanês Hezbollah e os houthis do Iêmen. Pelo contrário. Pequim “se opõe firmemente a qualquer interferência nos assuntos internos do Irã”, disse recentemente o premier chinês, Li Qiang. Nos últimos dias, surgiram notícias de que uma delegação do Hamas estaria prestes a visitar Pequim. Questionado, o governo chinês não negou.
Fonte: O Globo