A um ano do megaevento, falta de hospedagem e falhas de infraestrutura prejudicam preparação de Belém para a COP30

Parque da Cidade, que vai receber a maioria dos eventos da COP30: Belém ainda tem déficit de vagas para as delegações e visitantes esperados, inclusive de chefes de Estado
Parque da Cidade, que vai receber a maioria dos eventos da COP30: Belém ainda tem déficit de vagas para as delegações e visitantes esperados, inclusive de chefes de Estado — Foto: Raimundo Paccó

Em 2 de dezembro de 2023, em uma reunião da COP28 no centro de exposições de Dubai, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que não adiantava esperar da COP30, em Belém, a mesma estrutura vista nos Emirados Árabes Unidos. Em tom de brincadeira, disse que a cidade amazônica poderia “oferecer” no lugar “reuniões embaixo de árvores, em canoas e igarapés”.

— Não fiquem olhando os parâmetros dessa COP pensando que a gente vai fazer perto disso aqui, porque não há a menor condição — disse o presidente ao lado do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que esboçou um sorriso tímido.

A um ano do megaevento, marcado para novembro de 2025, os governos federal e estadual correm contra o tempo para entregar as obras prometidas e, assim, realizarem a primeira edição da conferência em uma cidade no “coração da Amazônia”, conforme as palavras do presidente. O problema mais urgente que ainda carece de solução é a falta de vagas de hospedagem.

Uma pesquisa nas mãos do governo do Pará mostrou que a cidade tem um déficit de 43 mil leitos para a COP30. A Região Metropolitana de Belém conta com 12 mil leitos, e apenas 864 deles são de hotéis da categoria luxo. O público estimado para a COP é de 40 mil a 60 mil pessoas. A COP28 recebeu 80 mil participantes credenciados.

— Estamos extremamente atrasados nesse processo. Belém dificilmente vai conseguir comportar uma reunião do porte da COP30 por questões logísticas. Isso vai precisar ser encaminhado pelo governo com uma certa urgência — afirmou o cientista Paulo Artaxo, professor da USP, membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e interlocutor do Planalto sobre aquecimento global.

As autoridades pensaram em alternativas: contratar transatlânticos que ficariam atracados no porto de Belém; fazer parceria com aplicativos de hospedagem; utilizar a estrutura de escolas públicas, faculdades e vilas militares para criar alojamentos; e construir apartamentos modulares numa chamada “Vila dos Líderes”, aos moldes do que é feito em Jogos Olímpicos.

A solução dos navios-hotéis é uma das que têm mais capacidade de ampliar o número de vagas, mas ainda está em fase inicial de implementação. Para os cruzeiros aportarem, é preciso antes dragar o leito do Rio Guajará. A licitação foi lançada no último mês. Estima-se um investimento de R$ 200 milhões do governo federal com a obra.

O secretário extraordinário da COP30 (órgão vinculado à Casa Civil), Valter Correia, disse, em nota, que as contratações para acomodações estão “em diferentes estágios”. Segundo ele, é natural que haja desafios para receber um evento deste porte e, no momento, estão sendo “equacionadas as dificuldades para que tudo saia de forma que viabilize o objetivo principal, que é um bom resultado nas negociações para o combate às mudanças do clima”.

Além de preparar a orla de Belém para receber os navios, há outro impeditivo: boa parte das operadoras de cruzeiros já fecharam as suas rotas de viagem em 2025. Também é preciso contar com uma estrutura de embarcações menores e um terminal para trazer e levar os participantes da COP. Esse translado se complica no período chuvoso da Amazônia, quando o rio aumenta de nível e fica mais “batido” — é nessa época que ocorrerá a conferência.

Em nota, o governo do Pará informou que estão em execução cerca de 30 obras estruturantes “nos eixos de saneamento, mobilidade e desenvolvimento urbano”. Conforme o texto, a rede hoteleira “está sendo ampliada com a construção de três novos empreendimentos de alto padrão por grupos internacionais que vão atender as categorias de público A e B”.

No início do ano, o déficit hoteleiro levou o governo Lula a cogitar transferir algumas reuniões da COP30 para São Paulo, Rio e Brasília. A medida, no entanto, é rechaçada hoje dentro das administrações estadual e federal.

— Não queremos fazer a COP como fez Dubai, com seus grandes prédios e avenidas. Quem quiser ver os grandes rios, árvores e os povos da floresta, venha a Belém — disse Helder Barbalho, em maio, após a possibilidade de subsedes vir à tona.

Emissários de embaixadas já visitaram Belém para conferir a infraestrutura. O governo federal espera a vinda de 120 a 150 chefes de Estado. Reservadamente, o corpo diplomático tem manifestado preocupação com a falta de acomodações de hotéis cinco estrelas (só há quatro na cidade), rotas de fuga para um eventual ataque e unidades hospitalares para atender possíveis emergências.

Delegações de países mais ricos ainda têm protocolos de segurança mais rígidos, como reservar um prédio inteiro e exclusivo e ter vias largas abertas que permitam o deslocamento rápido de autoridades. Caso essas medidas de segurança não sejam sanadas, há um risco de os chefes de Estado, o chamado “segmento de alto nível”, não virem à conferência na Amazônia, o que seria negativo para o protagonismo que o Brasil almeja ter no debate climático.

— O presidente dos Estados Unidos tem um esquema de segurança específico. Não pode ter gente no andar de cima nem embaixo. Se não tiver esse padrão, ele simplesmente não vem. Imagine isso para 190 países. O governo decidiu fazer uma COP em um local sem infraestrutura pronta, mas com o apelo político e simbólico que São Paulo e Rio não têm. Agora tem que correr atrás para entregar essa infraestrutura — disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, presença frequente em COPs.

Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, dedicado a políticas voltadas às mudanças climáticas, a infraestrutura tem impacto direto sobre a COP:

— Logística, acomodação e alimentação são ingredientes essenciais para negociadores e observadores trabalharem juntos.

A capital do Pará possui outros problemas a 12 meses da COP. O aeroporto não tem capacidade de receber o volume de voos internacionais esperados para o evento. Uma obra de ampliação, orçada em R$ 450 milhões, vai ser feita, e a Base Aérea de Belém também passará por uma intervenção para receber os chefes de Estado. Além disso, a cidade figura no ranking brasileiro dos dez piores índices de saneamento básico, segundo o Instituto Trata Brasil — só 20% da população têm acesso à coleta de esgoto.

Defensor da criação de um órgão ministerial exclusivo para a COP30, como o das enchentes no Rio de Grande do Sul, o líder do PT no Senado, Beto Faro (PA), diz que a oferta de alojamentos será resolvida até o início do encontro. A diretora-executiva do Consórcio Interestadual dos nove Estados da Amazônia Legal, Vanessa Duarte, também minimiza os contratempos:

— A Amazônia não é vista como um grande santuário verde? Não faz sentido construir uma Dubai para atender um evento de duas semanas.

Fonte: O Globo

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