Uma das peças centrais das forças navais dos Estados Unidos, o gigante USS George Washington (CVN-73) está de volta às águas brasileiras. Em sua terceira missão na América Latina e região do Caribe, o superporta-aviões com propulsão nuclear participará, nos próximos meses, da operação Southern Seas 2024 antes de seguir para o Japão, onde deve chegar entre setembro e outubro para operar por mais 25 anos. A viagem, iniciada em 5 de abril, marca o retorno da embarcação para a Base Naval de Yokosuka — após uma série de atrasos. Mas também dá sinais de um crescente interesse pelo Atlântico Sul num contexto de forte polarização entre Washington e Pequim, cujo principal cenário de disputas hoje se dá na região do Pacífico, afirmam analistas ouvidos por O GLOBO.
— A China tem feito movimentos fortes de aproximação militar com os países da costa ocidental da África e econômicos e políticos com os países da América do Sul, entre eles o Brasil. Com esse avanço, os americanos começaram a se preocupar mais com o Atlântico Sul — diz Francisco Novellino, oficial superior reformado da Marinha do Brasil e analista de defesa e poder naval. — Operações de forças navais americanas com Brasil e outros países da região não são novidade, ocorrem há décadas, mas agora estão dando um recado maior.
A última vez que o George Washington esteve no Brasil foi em 2015, durante a operação Unitas, o mais antigo exercício marítimo multinacional organizado pelos EUA. Na ocasião, militares brasileiros e americanos realizaram treinamentos conjuntos, incluindo simulações de combate aéreo entre caças da Força Aérea Brasileira e da Marinha americana.
Agora, estão previstos exercícios de passagem e operações no mar com as forças marítimas de nações parceiras, que acontecerão ao longo da circunavegação do continente sul-americano. Além do Brasil, a companhia de navios do George Washington — que inclui submarinos, destróieres e navios de reabastecimento — participará de compromissos com Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Uruguai, com visitas a portos planejadas para as cidades de Rio de Janeiro, Valparaíso e El Callao.
— Esse tipo de exercício faz parte da chamada diplomacia de defesa, que é extremamente importante nas questões relacionadas às disputas entre grandes potências e na diplomacia como um todo. É uma maneira de um país tentar influenciar outros, de construir alianças — explica o almirante da reserva Antonio Ruy de Almeida Silva, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
Exemplo disso é que, pela primeira vez, a Southern Seas tem uma equipe internacional embarcada. São aproximadamente 25 oficiais de 13 nações parceiras que estão servindo a bordo do USS George Washington. Segundo a Marinha americana, o objetivo é oferecer instruções de professores da Escola de Guerra Naval dos EUA e trabalhar juntamente com pessoal embarcado para conduzir um planejamento operacional detalhado em apoio às operações no mar, visando aprimorar a capacidade, melhorar a interoperabilidade e fortalecer parcerias marítimas com países em toda a área de responsabilidade do Comando Sul dos EUA.
O Brasil participa com dois oficiais, o comandante Emanuel Ramos Ferreira e o capitão de corveta Rodrigo Silva, ambos do Estado-Maior. Eles embarcaram em 29 de abril na Estação Naval de Mayport, na Flórida, e seguirão viagem com a tripulação até El Callao, no Peru, onde o desembarque está previsto para 21 de junho.
Porta-aviões são geralmente os maiores — e mais caros — navios operados pelas Marinhas de Guerra. Sua principal função é apoiar e operar aeronaves que realizam ataques a alvos aéreos, flutuantes e em terra durante operações de projeção de poder sustentado, servindo como uma espécie de pista de pouso e decolagem capaz de se deslocar rapidamente pelo mar, dispensando assim aeroportos ou instalações convencionais.
Em funcionamento desde 1992, o USS George Washington foi o primeiro porta-aviões com propulsão nuclear americano permanentemente estacionado fora do território continental dos EUA a partir de 2008. Em 2017, ele regressou para Norfolk, no estado da Virgínia, onde passou por processos de reabastecimento e revisão de meia-vida que, em meio a limitações orçamentárias e atrasos dos mais diversos tipos — incluindo a pandemia de Covid-19 —, só foram concluídos em maio de 2023, a um custo estimado de mais de US$ 2,8 bilhões (R$ 14,3 bilhões).
Popularmente conhecido como GW, o USS George Washington mede 330 metros de comprimento por 78 metros de largura (40,8 metros na linha d’água) e desloca cerca de 110 mil toneladas no mar. Da quilha até o topo do mastro, são 74 metros de altura, o equivalente a um prédio de aproximadamente 24 andares. Seu interior comporta dez pisos acima do convés e outros dez abaixo, interligados por mais de 50 escadas. Além disso, tem capacidade para receber uma tripulação de cerca de 5 mil militares — o equivalente à população inteira de uma pequena cidade. Atualmente, estão embarcados 4,9 mil tripulantes, sendo mais de 3 mil alistados na companhia de navios e 1.450 na ala aérea, além de 250 oficiais da ala aérea e 200 da companhia de navios.
— São 110 mil toneladas de diplomacia no mar, além de representar um dos mais avançados e poderosos meios de projeção de poder marítimo do mundo — comenta Leonam Guimarães, engenheiro naval, oficial da reserva e diretor-técnico da Associação Brasileira para Desenvolvimento Atividades Nucleares (Abdan).
O superporta-aviões americano ainda possui dois reatores nucleares, que geram energia para alimentar as quatro hélices que movimentam o navio, bem como o restante da embarcação, incluindo os elevadores (que levam as aeronaves do hangar para o convés em apenas oito segundos), as catapultas para lançamento dos caças (que atingem uma velocidade de quase 2.000 km/h em instantes) e os cabos de retenção (responsáveis por frear as aeronaves no pouso). Sua ala aérea de bordo é composta por cerca de 90 aviões e helicópteros divididos em nove esquadrões — as aeronaves são as principais armas dos porta-aviões, servindo também para defesa da força-tarefa.
— O porta-aviões não é apenas um navio, é uma combinação de poder aéreo com poder naval, ou seja, sua capacidade de serviço é multiplicada. E a Marinha dos EUA descobriu que não existe ferramenta melhor para lutar num teatro de grandes proporções como o Pacífico do que um porta-aviões — conclui Felipe Salles, mestre em estudos marítimos.
Fonte: O Globo