Dom Antônio Carlos: “Enquanto o Governo anuncia construção de novos presídios, reduz investimentos no Social”

Em entrevista ao Sistema Rural de Comunicação, o bispo da Diocese de Caicó, Dom Antônio Carlos comentou os últimos acontecimentos envolvendo o sistema prisional do Rio Grande do Norte, com destaque para registros de rebeliões nos presídios de Alcaçuz, em Nísia Floresta e no Pereirão em Caicó. A entrevista foi concedida neste final de semana aos radialistas Marcos Dantas e Joelma de Souza, na cidade de Parelhas.

Na entrevista, o religioso não escondeu a gravidade do momento em que o Brasil, e o nosso Estado enfrentam, mas defendeu que a sociedade não pode perder a esperança de que a crise será vencida. Dom Antônio também criticou a redução de investimentos na Educação e em outras áreas sociais, enquanto se anuncia a construção de novos presídios.

Como a Igreja do Seridó tem encarado essa crise no sistema penitenciário?
Dom Antônio Carlos – Isso é apenas um aspecto de todo o conflito que vem acontecendo no sistema prisional brasileiro… De fato, por um lado estamos com estas facções que estão agindo como um estado paralelo, disputando forças entre si, e por outo um Estado muito fragilizado como o nosso, com as grandes instituições vivendo crises econômica, política e ética, e agora temos esse acidente com o ministro Teori, que era o relator da Lava Jato, e se esperava que até fevereiro ou março se desenrolasse alguma coisa, e não sabemos como vai ficar. Mas eu acho que cabe a nós cristãos, olharmos para essas realidades difíceis, sempre com um olhar de esperança e de amor.

Muitos tem falhado nessa guerra contra o crime organizado? A instituição Família também tem a sua parcela de culpa?
Nós vivemos uma época de mudança. A Família passa por transformações. O documento Alegria do Amor, do Papa Francisco ele descreve a realidade familiar, a beleza do que é uma Família, mas também esses momentos de fragilidade. Com certeza, a Família também tem uma resposta diante desta situação, mas não só, porque hoje a pessoa não é formada apenas pela Família. Os meios de comunicação também formam, e as vezes formam mais do que a própria escola. Nós vamos encontrar pessoas que vieram de Família, relativamente estruturada e que também caem no mundo das drogas. Então, não necessariamente podemos dizer que alguém entrou no mundo das drogas porque veio de uma família desestruturada. Eu trabalhei em periferias, na Cidade de Deus, na Baixada Fluminense e nós víamos muitas famílias pobres, até com momentos delicados, e que depois é que entraram. Por outro lado, trabalhei em cidades de classe média, como Pirassununga, pessoas de famílias relativamente estruturadas, com certo poder aquisitivo e que também entram. O grande problemas é que a gente tem um olhar parcial, por exemplo, a gente vê o traficante, mas a pergunta é, quem consome a droga? Será que aquela pessoa que consome a droga, nas diversas camadas sociais, porque a droga não é consumida apenas nas camadas mais pobres, tem consciência de que a droga que ele consome, está gerando esse mercado de violência? Estamos diante de um momento de saturação, e esse momento de saturação vai possibilitar a gente encontrar uma saída. Nós que somos pessoas de Fé, precisamos rezar muito para que Deus possa nos dar um bom discernimento, mas eu não acho que estamos caminhando para um abismo, estamos em uma crise, e toda crise, ela por um lado é um risco da gente se perder, mas ela é também uma oportunidade de mudança e de crescimento.

Qual é a mensagem que a Igreja tenta passar para os seus fiéis?
Eu acho que não devemos negar a realidade, ela está aí, mas olhar a realidade com um olhar de esperança e de misericórdia. Ano passado eu fiz visitas ao Pereirão e ao três Centros de detenções provisórias, Parelhas, Jucurutu e Currais Novos. Confesso que dos três centros, o que mais me pareceu em caráter desumano, pelo menos naquele momento era o de Parelhas, como uma superlotação. E a pergunta que me fazia era, como alguém naquele ambiente conseguia se recuperar. Você pega uma gaiola, se você coloca muitas periquitos daqui a pouco eles estão se bicando, detona o processo da agressividade. Não estou dizendo que essas pessoas tem que ser tratadas com caviar, e nem serem premiadas, mas não podemos esquecer que a função do sistema prisional, se por um lado é punir a pessoa que errou, ao mesmo tempo é socializá-la, e como alguém pode recuperar em um ambiente daquele?  Olhando o sistema prisional todo na mão das facções, as vezes alguém que entra ali e não pertence a nenhuma facção, ou ele entra nela ou é morto. Esses lugares se tornam escolas de crime. Nós não temos essa possibilidade aqui no Brasil ainda, de no sistema prisional a gente separar o detento de alta, de média e de baixa periculosidade. A gente joga todo mundo no mesmo ambiente, e só vai criando essa situação. Porque não conseguimos ainda controlar essa entrada de celulares nos presídios? Como é que dentro dos presídios os celulares funcionam melhor do que fora deles? A quem interessa essas coisas não funcionarem? Quem é que está ganhando com isso? Quem é que lucra com o narcotráfico. Eu não acredito que apenas os que estão dentro dos presídios é quem lucra com isso.

Esse sentimento de ódio que começa a tomar conta da sociedade, onde muitos já adotam o discurso de Justiça com as próprias mãos, apenas agrava a situação?
A massa funciona como ela é manipulada. A massa manipulada preferiu Barrabas à Jesus. Veja, por exemplo, o jogo manipulatório de alguns meios de comunicação social, no caso do Impeachment da presidenta e agora esse cenário que está aí. Não era para resolver? E parece que o cenário ficou mais delicado. E a gente está vendo outras coisas que estavam por tras do impeachment. Nesta hora é muito fácil, quando apresenta o Pereirão todo quebrado, a comida estragada com urina e fezes, essa imagem choca a população, e a tendência da população é que esse pessoal tem que ser muito castigado. Claro, é que normalmente os nossos filhos não estão la dentro. Perguntam as mães daqueles filhos que estão lá dentro o que elas pensam. Perguntem a esta mãe de Currais Novos, que perdeu seu filho na última rebelião no Pereirão o que ela pensa disso. É um olhar diferente. É muito fácil a gente ser frio quando a situação não é conosco, e acontece na casa do vizinho. O pessoal que vive um clima de total brutalidade, que já perdeu toda a noção de limite. A mesma sociedade que defende que é proibido proibir, agora estamos vendo onde podemos chegar quando os limites não são respeitados.

O Governo anuncia a construção de novos presídios, mas não apresenta o plano eficiente de recuperação destes detentos, até como forma da situação não fugir do controle…
Mas já está fora do controle há muito tempo. Eu acho que nós temos que pensar nesses que chegaram a esse ponto, mas temos que combater as causas. Ao mesmo tempo em que querem construir presídios, mas com a PEC 55 está se reduzindo os investimentos no social, aumentando a miséria, a falta de oportunidade para os jovens. Você combate crime com Educação, com oportunidade, com valores e princípios. Quais são os valores e princípios que as nossas novelas, os nossos filmes, os nossos programas defendem? Estamos colhendo o que plantamos.

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